Minha carreira criminosa

Essa história vai contar, basicamente, o início – e o declínio prematuro  – da desastrosa carreira criminosa desta pessoa – incapaz de mentir sem gaguejar freneticamente – que está escrevendo. Vejam bem, na época da narrativa eu tinha meus 10 anos de idade, video games demais e responsabilidades de menos (exceto a de assistir dragon ball, coisa que eu pontualmente fazia, todos os dias, com a mesma disciplina com que minha avó frequenta a igreja aos domingos).Para vocês entenderem a desesperada inspiração ao personagem do Leonardo DiCaprio, no filme “Prenda-me se for capaz”, que vou contar daqui a pouco, tenho que explicar o contexto em que eu me encontrava: (Aliás, imitar personagem de um ator que consegue ser zoado por não ganhar um Oscar mostrou-se claramente um erro.)

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À época, eu morava em uma cidade do interior de Santa Catarina e, como toda criança, naquele tempo era chato pra caralho e viciado no meu Playstation 1. O divórcio dos meus pais era recente e havíamos nos mudado para um apartamento novo em frente ao. A primeira vez que estive lá notei que meu quarto era meio afastado do quarto daquela mulher que comprava miojo pra mim, além de ser muito comprido – o que era estranho – e possuir até a porra de um banheiro. PUTAQUEOPARIU um banheiro só pra mim! Eu tinha apenas dez anos, mas aquilo com certeza seria algo que eu poderia me gabar pros meus amiguinhos ranhentos. Mas nada disso, na verdade, deu início a trama desta história quanto o que logo viria a descobrir nas seguintes palavras da minha mãe:

“Giovanni acho que a televisão 14 polegadas pode ficar no seu quarto, junto com o vídeo game”.

Lembro que parei de arrumar meu novo quarto por um instante, tentando absorver aquela frase com calma para que minha cabeçona desproporcional de dez anos não me fizesse perder o equilíbrio: Mano, eu sonhei alto naquele instante. Playstation no meu quarto? MEU DEUS DO CÉU É UMA BENÇÃO, UMA DÁDIVA, E EU NÃO ESTOU PRONTO. Para tentar ilustrar aquela felicidade, posso dizer que na minha mente passaram imagens minhas assistindo todos os desenhos antigos do Pernalonga e Patolino que passavam de madrugada, o seriado do Batman da Fox Kids, além da promessa de jogar incessantemente Digimon. E adivinha o que aconteceu? Tudo isso aí mesmo.

Eu estava no auge da minha nova ditadura de desenhos, vídeo game e muito salgadinho; aproveitando cada segundo que estava sem supervisão para jogar e ficar chapado de cheetos bola (aquele salgadinho fodamente fedorento). Continuamente checando meu reflexo no espelho do banheiro só pra lembrar que tinha um no quarto, chegando ao final do jogo Digimon – e com certeza vocês sabem a importância deste feito-, quando fui abalado pelo notícia que a desgraçada da professora de geografia decidira, pra tristeza geral da nação (de crianças cabeçudas), marcar uma prova pro meio da semana. Até então eu nunca havia dado motivos pra minha mãe ficar brava comigo por causa de escola ou notas, pelo contrário, sempre conseguia, não sei como, ir bem nos testes – mesmo usando da minha técnica de estudos não convencional (estudando pouco pra caralho).

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Preciso que você entenda – e coloque-se na minha situação de menino levemente alterado pela quantidade de açúcar ingerido por dia, + casa nova + quarto foda + vídeo game. Eu estava com um problema, por isso decidi dividir meu tempo em 50/50, ou seja, metade para os estudos e metade para o jogo eletrônico de satanás. Claro que você já sabe que na prática esse tempo foi dividido em 95/5  – e não preciso dizer o que prevaleceu né?-.

Acordei, aula, prova, desespero, arrependimento, dor. Fui mal demais – devo ter errado até a porra da capital de Santa Catarina de tanta lamentação que fiquei quando peguei o teste. Em seguida, ouvi sermão da professora, querendo saber o que havia aconteceu, blá blá blá blá blá blá. Eis que a maldita pediu minha agenda e começou a escrever coisas para, depois de alguns segundos, soltar:

“Manda sua mãe assinar”.

Uma frase dessas com certeza pode, algum dia, iniciar uma grande guerra mundial, ou fazer algum adolescente entrar metralhando seus coleguinhas de classe. Mas, de todas as coisas que eu poderia ter feito pra resolver a situação, COM CERTEZA ABSOLUTA escolhi a pior: falsificar a assinatura da minha mãe. Não sei se quando eu era menor me elogiaram muito pelo meu caderno de caligrafia ou eu simplesmente era burro mesmo, porque claramente minha letra de 10 anos era feia pra caralho, torta e certamente um macaco bem treinado faria melhor. Mesmo assim, estudei alguns minutos a assinatura da minha mãe com um contrato que encontrei na sala e, inteligente DEMAIS, já fui assinando na agenda direto, sem mal treinar antes. Puta que pariu, eu confiava demais em mim mesmo. Era a porra de uma arte, e eu  respirava na hora certa, desenhando as letras bem devagar com uma mão, olhando rapidamente para o papel original enquanto fechava um olho pra ver as linhas com maior precisão. Estava pronto e eu acreditei DE VERDADE que estava perfeito. Eu sou uma anta.

No outro dia, já sentado, perfeitamente posicionado na cadeira da sala de aula, tentava parecer calmo enquanto meus amigos gritavam, corriam, se penduravam nos lustres e faziam outras coisas que a galera dessa idade faz. A calma durou até o minuto em que a professora pisou na sala e ali já estava com vontade de chorar, CARALHO MENINO STAY CALM. Lá vinha a desalmada professora, que aproveitou para checar minha agenda enquanto o resto do bando estava pulando:

“Giovanni, sua agenda por favor”.

             Não tinha mais volta e era isso aí, o trabalho de uma noite poderia salvar a minha vida escolar, ensino fundamental; é nói$. Enquanto procurava a agenda em meio à desordem da mochila, apenas conseguia sentir a respiração opressora da professora – provavelmente nessa hora eu já estava esquisito pra caralho, me tremendo todo -, quando finalmente achei o caderno dos cadernos, o caderno do meu destino, e o coloquei suavemente em cima da mesa, aberto na página da assinatura fake.

Meu amigo, se tem uma coisa horrível é você tentar se passar por algo que você não é, por exemplo, eu naquela situação tentando me passando por um menino MALANDRÃO e CALMO. Ela deve ter olhado por menos de um segundo para aquela assinatura e eu já sentia que os deuses haviam abandonado a raça humana: “Sua mãe que assinou isso aqui?”. Olhei para a minha obra de arte e vi que, na verdade, parecia aquele afresco que uma idosa recentemente pintou, tentando restaurar uma imagem antiga.

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Minha mente juvenil ainda acreditava, humildemente, que a professora não tinha certeza sobre a assinatura e que, portanto, eu poderia sair daquela situação sem nenhum arranhão; ledo engano. Pra piorar minha situação, comecei a justificar que havia sido, sim, a minha mãe e que estava tudo certo, até que ela soltou o golpe final: “Parece que você falsificou a assinatura da sua mãe, GIOVANNI, sabia que se você fosse um pouco mais velho você iria preso por isso? Vou ligar para sua mãe no final da aula”. Puta merda. Meus olhos começaram a lacrimejar e meu corpo a tremer. Já sabia de tudo: ia ser expulso de casa, ia morar com aquele mendigo barba-ruiva da esquina e meu quarto ia virar um closet. (Foi muito pior, fique sem tv, sem carreira criminosa, sem vídeo game e ouvindo broncas sem fim. )

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